Quando estamos no primeiro ano de Medicina, somos frequentemente confrontados com uma de duas situações:
1) As pessoas acham que ainda não sabemos nada, ou;
2) As pessoas acham que já sabemos tudo.
Nenhuma delas corresponde à realidade. Passo a ilustrar com dois exemplos:
1) As pessoas acham que ainda não sabemos nada - Há uns tempos, o meu pai foi fazer umas análises de rotina. Tirar um bocadinho de sangue, ver se andamos bem de triglicéridos, colesteróis e afins. Ora, o objectivo destas análises é entregá-las à nossa médica de família, preferencialmente fechadas, durante uma consulta onde ela nos vai dizer mundos e fundos porque andamos a abusar do sal ou dos petiscos entre refeições. Claro que o meu pai não faz nada disto. Curioso e hipocondríaco que só ele, foi levantar as análises e abriu-as de imediato. Como pessoa leiga nas andanças médicas que é, deparou-se com um novo mundo de caracteres e expressões desconhecidos e, em vez de esperar pela consulta, veio todo aflito para casa esfregar-me as análises na cara e exigir, de imediato, que lhe dissesse qual a doença maligna de que padecia. Como é óbvio, e dado que ainda estou no primeiro ano, ainda não sei avaliar correctamente um boletim de análises, apenas sei olhar para os valores obtidos e verificar se estão dentro dos parâmetros. Dei uma olhadela às análises (apenas para concluir que não sabia o que significavam metade daqueles valores) e disse-lhe: " Acho que 'tás fino e fresco que nem uma alface. Não percebo muito disto, mas acho que está tudo bem". Toda a sua expressão modificou-se e olhou para mim com um ar desconfiado: "Então está mesmo tudo bem? Mas então e este valor aqui não está muito alto? E achas que deva fazer uma dieta? Cortar no sal ou no açúcar? Eu já não como doçaria mas, nunca se sabe, enfim, pode sempre cortar-se um bocado mais. Que dizes?". "Pai, eu não percebo muito disto, por isso acho melhor esperares pela consulta. Mas não te preocupes, a sério". "Não percebes nada disto. Ainda não aprendeste nada de jeito. Vou à farmácia perguntar à Dr.ª". E saiu , deixando-me assim, com cara de parva, a olhar para a porta.
2) As pessoas acham que já sabemos tudo - Aparentemente, estamos na altura de semear alguns hortícolas, nomeadamente batatas (não sou especializada neste assunto, apenas vejo os meus avó lá no campo a plantar coisas na terra). Após um dia de trabalho, a minha avó veio até mim, com a cara branca que nem cal e disse: "Ai filha, dói-me tanto as costas. Achas que isto pode ser rins?". Ainda não percebo muito sobre boletins de análises, mas se há coisa que já aprendi é que ninguém se aguenta em pé se tiver uma dor de rins a sério. Disse-lhe imediatamente "Não, impossível, isso é das costas. Andaste a tarde toda no campo de rabo para cima, toda torta, obviamente que isso é costas". Ela olhou para mim com um ar muito sério e disse, muito orgulhosa "Fogo, tu percebes mesmo disto, hás-de ser uma grande médica." E deu-me um abraço, como se eu tivesse acabado de lhe dar a melhor notícia da vida dela. Mal ela sabe que ainda percebo muito pouco disto, apenas o suficiente para saber que se a dor dela fosse, efectivamente de rins, ela nem tinha tempo para me perguntar o que se estava a passar.
Isto tudo para esclarecer duas coisas: no primeiro ano é certo que ainda aprendemos muito pouco, mas a verdade é que já aprendemos alguma coisa, porque se assim não fosse, qual o objectivo de existir o primeiro ano?
Portanto, amigos, não me venham pedir conselhos médicos sobre qual o melhor medicamento ou o que aconselho quando vos dói aqui ou acolá. Perguntem-me estruturas anatómica e onde fica o quê. Perguntem-me coisas de biologia (da pesada), porque também já aprendi. Coisas efectivamente de clínica, lamento desiludir-vos, mas ainda não estou apta para tanto! Daqui a uns anitos falamos.
Sem comentários:
Enviar um comentário